OBJECTOS PÓS-MODERNISTAS À VENDA NA FEIRA DA LADRA

[Postmodernist objects for sale in Flea Market]

Instalação

Em colaboração com Lara Portela

Banda Sonora Banda Sonora

Voz de Gonçalo Alegria

Tudo começou com o fascínio por objectos. As visitas à feira da ladra desencadeavam compras quase obsessivas. Observávamos os objectos que queríamos comprar mas que por uma ou por outra razão não comprávamos. Então começámos a oferecer descrições de objectos uma à outra e a alguns amigos. Foi só quando os tentámos desenhar, a estes presentes “memória”, para os reter, que reparámos o quanto estes objectos desenhados eram instáveis e volúveis.

Facilmente eram apropriados, primeiro pelo sujeito que os observava, depois por quem os descrevia, depois por quem os desenhava. O desvio em alguns resultava numa peça tornada em outro objecto. É esta experiência que queremos partilhar com o público que compra objectos em segunda mão na feira da ladra e com os flâneur deste espaço: objectos em terceira mão, objectos que passaram à forma da liberdade espacial ilimitada, à desmaterialização, a uma reprodução quase infinita.

Recordamos a fotomontagem de Harry Shunk sobre “Le saut dans le vide” de Yves Klein.

Atravessámos o processo de nos inscrevermos nas Finanças para pedir uma licença de feirante, de pagar o aluguer do espaço à Câmara Municipal de Lisboa para chegar aqui. O nosso lugar de feirantes construiu-se na adaptação dos objectos memória, através da construção de um dispositivo da mesma família das caixas de bananas que todos os feirantes usam para transportar os objectos que vão vender. Um dispositivo quase nulo, com a estranheza dos implantes e com os objectos desmaterializados, da família das memórias.

Durante um mês experimentámos o mesmo dispositivo de “venda” de objectos em diferentes lugares.

Chegávamos e delimitávamos o nosso território com fita autocolante, um quadrado que criava novas fronteiras na rua e ouvíamos os protestos dos outros feirantes. Calavam-se depois de observarem o que trazíamos para vender, um silêncio muito revelador da fronteira que tínhamos criado com o gesto performativo de desenhar um quadrado.

Tínhamos criado “sem querer” uma separação entre o público familiarizado com os dispositivos de arte contemporânea e os não familiarizados. Enquanto os primeiros atravessam imediatamente a nossa linha divisória, curiosos e na expectativa, os segundos contornavam a linha da fita adesiva sem a ultrapassar. Como o Fiscal da Câmara de Lisboa que apareceu um dia, bastante “agressivo” inicialmente mas que não se “atreveu” a entrar no “nosso” espaço, mesmo depois de o convidarmos. Éramos um corpo estranho, apesar de usarmos dispositivos simples e familiares, como as caixas de cartão.

Objectos várias vezes em segunda mão: comprados na feira da ladra; pensados e descritos por aquilo que somos, entendidos por aquilo que é o outro, levados na memória ou num desenho. Neste texto não nos referimos ainda aos afectos, à natureza do afecto, à sua potência. Esse foi o primeiro gesto para este trabalho.